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Mundanidade & Espíritos


Conversa #9

Personal Shopper (Olivier Assayas, França, 2017)

Maureen Cartwright (Kristen Stewart), uma estadunidense expatriada, ganha a vida a comprar roupas, peças de arte, artigos finos e de decoração para Kyra (Nora von Waldstätte), uma celebridade que mora em Paris, e sequer tem tempo de fazer compras. Maureen age como sua personal shopper, provendo Kyra com aquilo que seu gosto, idiossincrasias e demandas de "estrela" requerem.

Soa divertido, um tanto mundano. Mas não é trabalho que a americana faça com prazer, uma vez que sua patroa dá sinais da intratabilidade característica de certas celebridades. Além disso, cerca-se de uma entourage que inclui assessores e um jovem advogado, Ingo (Lars Eidinger), com quem mantém um caso. Numa conversa fortuita, no apartamento de Kyra, a personal shopper conta vários detalhes de sua vida pessoal a Ingo. Este, por sua vez, lhe informa que Kyra está a ponto de romper com ele por temer que o marido descubra o affair.

Não faz muito, Maureen perdeu seu irmão gêmeo, Lewis. Este morreu repentinamente, de uma má formação cardíaca congênita, que ela também porta. O desejo de entrar em contato mediúnico com o irmão na terra em que ele morreu é o que prende a americana a Paris, assim como o convívio com a ex-namorada do falecido.

Ao visitar uma velha mansão, ela, que nutre interesse pelo universo espírita e entende-se como detentora de poderes mediúnicos, tem uma visão aterradora e violenta. Paralelo a isso, essa consumidora por procuração começa a receber estranhas mensagens em seu smartphone. São convites para um encontro e sugestões de que está sendo observada. Depois de uma ida a Londres a trabalho, tudo se precipita. A antiga namorada do irmão engrena uma relação com um amigo do defunto. Kyra é assassinada. E Lewis aparece a Maureen sob a forma de espectro: um copo que flutua no ar. No final, ela questiona se a visão é de fato o irmão ou tem mais a ver com seu próprio inconsciente.

A frivolidade do trabalho de Maureen parece, de uma forma misteriosa, contaminar a própria trama. Personal Shopper surge então como um daqueles relatos que se querem ambientados em uma redoma asséptica, no coração do mundo pós-industrial, depois de Fukuyama. A protagonista, tanto nugativa, vê a vida a partir de amplas olheiras, cruzando os arrondissements parisienses em uma motoneta, com seu talhe andrógino. O que há de mais previsível ocorre: ela envergar, em uma ocasião, as sofisticadas roupas e jóias que adquire para Kyra num cenário erótico.

Não obstante, apesar de seu interesse por espiritismo e cientologia parecer superficial, é com base nele que ela decide prosseguir em Paris e prolongar a viscosidade fútil de sua existência. Ou a vacuidade dessas sondagens do além, inclusive às custas de reencontrar o namorado. O caso, aqui, é de uma extraordinária performance de Kristen Stewart para uma personagem sofrível. A serviço de um roteiro que não devolve as contradições e mal-estares acerca de questões em torno do espiritismo e da cientologia. (Há para pôr em paralelo o cáustico humor de The Master [Paul Thomas Anderson, 2012], em exemplo).

A ressaltar, além do desempenho de Stewart e do destaque dado ao smartphone --- que assume praticamente a dimensão de uma personagem autônoma, entrando em quadro várias vezes --- um primoroso trabalho de recorte de som na sequência da mansão abandonada, bem como em dois ou três passos tensos. (Os planos gravados durante a viagem de trem para Londres são plasticamente saborosos. Em particular, por sublinhar o grau de solidão, alheamento e neurose que um ser humano pode atingir quando acompanhado apenas de seu smartphone). Mas, no geral, esse misto de thriller e filme de terror parece mais pretensioso que efetivo. E é de não entender que tenha sido posto no mesmo patamar de Bacalaureat (O Exame [Pi-Br], Cristian Mungiu, Romênia, 2016] pelos jurados de Cannes.

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