top of page

Uma Cidade Pôs Tudo a Perder

Conversa #11

The Lost City of Z (Z- A cidade Perdida (Pt-Br), James Gray, Estados Unidos, 2016)

Um jovem oficial do exército colonial inglês, Percy Fawcett (Charlie Hunnam), tem fome de glória. Ele também peleja para restabelecer o bom nome da família enxovalhado por dívidas de jogo e outras infâmias legadas. A despeito de já haver servido no Sri-Lanka (então, Ceilão), no Norte da África, na Irlanda, ser exímio caçador, estar casado com uma bela e sensata mulher (Sienna Miller) e ter um filho, o capitão ainda não conquistou nada digno de nota, a seu ver.

Essa vacuidade de glória fica evidente em uma festa de gala, na qual os outros oficiais têm condecorações a exibir contra o peito vazio de nosso oficial. Até que surge uma oportunidade de risco e ouro --- essas duas palavras que deviam ser sinônimas nos dicionários: explorar uma região de litígio entre o Brasil e a Bolívia, na Amazônia. A expedição está a ser organizada pela Royal Geographical Society, e é cercada de curiosidade popular.

Após uma longa jornada de navio e trem --- pela fatídica E.F. Madeira-Mamoré --- Fawcett e seu auxiliar (Robert Pattinson) encontram-se abrindo picadas no meio do mato grosso. Abrindo picadas e sendo picados por mosquitos e insetos de toda sorte e finas probóscides num calor infernal, cercados de febres palustres. Eles atingem então a ponta de lança da civilização: a Fazenda do Barão de Gondoriz nos cafundós da floresta. (Uma sequência, aliás, que parece extraída fotográfica, telepática e espiritualmente de The Mission (Roland Joffé, 1986)).

Desnecessário dizer, que o Barão e seu "séquito" no meio da selva, são retratados como sórdidos descendentes de portugueses, gananciosos e escroques, gerindo lucrativos seringais e explorando mão de obra escrava indígena. O oposto da nobreza dos ingleses, que percorrem a selva com propósitos científicos, civilizatórios, e demonstram uma maior comiseração para com os nativos. (Estão aí Guiana e quase metade da África a comprovar e agradecer).

A partir dessa missão inicial, feita como pesquisa ancilar à arbitragem internacional que decidiu a quem iria pertencer a região equivalente ao atual estado do Acre, Fawcett deixa de lado os propósitos nobres, científicos e o sentido da comiseração. Isso porque encontrara alguns restos de cerâmica que pareciam confirmar o relato de um guia indígena. O tipo resmungava acerca de uma cidade mítica, repleta de ouro e riquezas, no meio da mata. E, aos olhos de Fawcett, os cacos de cerâmica indicavam uma civilização bem mais sofisticada que a das atuais tribos amazônicas.

Ao tornar a Londres, já como arqueólogo e explorador afamado, via jornais, Fawcett planeja um retorno à região. Desta feita para encontrar o que supunha ser a capital de um império desaparecido: a magnífica cidade perdida de "Z", como ele a designa a partir do suposto relato de um explorador português do Quinhentos, que não era Fernão Mendes Pinto. Após algumas tentativas infrutíferas, ao longo de décadas, Fawcett não retorna mais. Sua mulher, então, não mede esforços no sentido de obter informações mais precisas do paradeiro do marido.

Nesse meio termo, na etapa da vida adulta em que voltou a fixar-se na Europa, houve um interregno civilizador na vida de Fawcett: o envolvimento na I Guerra Mundial. Participou no combate de trincheiras. Foi ferido. Saiu condecorado. Finalmente obteve suas medalhas. Mas nem esse impulso ''civilizatório'', nem as medalhas dele resultantes foram capazes de afastá-lo de sua obsessão amazônica: a improvável e resplandecente Z.

O filme, em algum momento, faz lembrar os de Herzog sobre temas afins. Inclusive a circunstância chave em explorações da Amazônia Ocidental: um punhado de europeus armados até os dentes, equilibrando-se sobre uma balsa rústica seguindo o curso de um rio tropical.

Mas as analogias acabam aí. Os dois filmes de Herzog ambientados na região, à semelhança dos relatos de Conrad, são investigações viscerais sobre a cobiça, o capricho e a venalidade humanas. A comparação não faz The Lost City of Z ficar bem na foto. A direção de fotografia --- esplêndida embora convencional, a cargo de Darius Khondji --- é um aspecto que o restante do filme não segue. A trama desenrola-se de iníco lenta, majestática, como a floresta; e se vai tornando rala e desinteressante depois de um bom início. (O classicismo de Gray certamente ainda nos porá diante de filmes mais bem acabados que esse.)

Dizer que um filme é lento não é demérito. Alguns dos clássicos do cinema são filmes lentíssimos, cheios de tempos mortos, cenas contemplativas, transitando em tempo real, nas quais quase nada de excepcional acontece. Alguns deles, não satisfeitos, antecipam o desfecho no título: Um condenado à morte escapou. No entanto, mesmo esses momentos mortos tornam-se poderosas ferramentas de ritmo e funcionam em prol de algo maior nas mãos de um Ozu, de um Bresson, de um Dreyer, de um Tarkóvski, de um Rohmer, de uma Akerman.

Assim, The Lost City of Z explora mal a excelente matéria bruta que tem em mãos. A decadência física (e moral) de Fawcett não é dimensionada de forma vigorosa ou convincente. Nem a irrelevância do homem diante da vastidão da selva. Ou a solidão, os dilemas vividos pela esposa, em casa. (O embate do casal, porque Nina Fawcett desejava acompanhar o marido nas expedições assoma francamente artificioso, para dizer o de menos). Ou ainda as tensões na relação entre o Fawcett maduro e seu filho mais velho que, a exemplo dele, foi aparentemente morto e devorado por índios canibais. O resultado, ao final, é esse filme que reivindica reverberações épicas, mas traz pouco em substância sobre um assunto que bem poderia ter sido abordado com melhores premissas.

À American Cinematographer, Gray e Khondji dizem ter imaginado visualmente o filme em torno da arte de Henri Rousseau e Claude Lorrain. Nada contra. Mas antes de pré-determinar a selva a partir desses artistas, a prioridade talvez devesse ser descentrar-se um pouco. Ler livros sobre a região produzidos por gente da região. Qualquer Euclides da Cunha, Barão do Rio Branco, Márcio Souza ou Milton Hatoum iria ensinar mais tanto a Khondji quanto a Gray do que pintores europeus delirando sobre selvas, e produzindo visões de segunda ordem, como as telas Naïfs de Rousseau.

De Lorrain, aliás, Kondji nos diz que "[ele] pintava míticas imagens do céu repletas de ouro, rubro e azul". Pode ser. Mas o céu amazônico possui texturas e tons muito próprios. Esses tons merecem ser observados por si, em prioridade, ainda que não se alienem essas fontes de inspiração "estetizantes", de segunda ordem. Ao que parece as cores da selva, sua brutalidade inominável ao lado de sua doçura, seu aspecto épico e luxuriante, estão muito melhor captados nos filmes de Herzog. A selva neles não se encontra mais bela que em Z, mas se encontra mais selva.

.

  • Black Facebook Icon
  • Black Twitter Icon
  • Black Pinterest Icon
  • Black Instagram Icon
FOLLOW ME
SEARCH BY TAGS
FEATURED POSTS
Verifique em breve
Assim que novos posts forem publicados, você poderá vê-los aqui.
INSTAGRAM
ARCHIVE
bottom of page