Quando o próprio país vira terra estangeira
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Conversa #27
Alone in Berlin (Vincent Pérez, Alemanha/ França/ Reino Unido, 2016)
Há filmes que dependem mais da força de suas personagens. Em que uma delas é capaz de redimi-los quase sozinha. Esse é o caso de Emma Thompson neste Alone in Berlin. O filme trata de uma casal dissidente, agindo sozinho e movendo-se no ambiente altamente polarizado, de caça às bruxas, na capital da Alemanha nazista em pleno esforço de guerra.
Em 1940, ao receber a notícia da morte em combate de seu filho, na França, o casal Otto (Brendan Gleeson) e Anna Quangel (Emma Thompson), decide agir por conta própria contra o regime hitlerista. A tática, simples e arriscada, envolvia a escrita de mensagens anti-nazistas em postais largados em locais públicos. O teor dessas mensagens ia de lamentar a pesada censura à imprensa até indicar que o Partido Nazista havia conduzido a Alemanha a um caos sem retorno, além do lamento de que tantas jovens vidas fossem desperdiçadas no front.
Cerradamente monitoradas, as mensagens do casal causam um episódio de mal-estar interno entre a SS e a polícia --- esta incapaz de identificar de imediato de onde provinham e quem as havia escrito. O Coronel Krüger (Godehard Giese), da SS, chega a agredir violentamente o investigador de polícia Escherich (Daniel Brühl) numa cena em que transpira clichês por todo o cenário. Dessas convenções e clichês mais bruscos que ocorrem ao longo filme inteiro, apenas Emma Thompson consegue safar-se.
Alone in Berlin é um filme de época bem intencionado, mas só razoavelmente conduzido. Esbarra em várias limitações. Não dimensiona a contento o que devia ser a solidão do casal lutando praticamente sem aliados num ambiente completamente infestado por espiões e potenciais delatores. Talvez essa solidão seja captada apenas pela expressão facial, os gestos, a força interior de Anna (Emma Thompson). Mas, por exemplo, o Comissário Escherich é confrontado com uma tal selva de clichês que acaba naufragando enquanto personagem, a despeito dos esforços do bom ator que é Daniel Brühl. Em menor escala, o mesmo se pode dizer de Brendan Gleeson na pele de Otto Quangel, chefe da divisão de mecânicos em uma indústria.
Mais que trazer à baila aspectos da micro-história envolvendo alemães na II Guerra, é necessário por igual dar um tratamento adequado a esses micro-eventos. Caso de The Reader (Stephen Daldry, 2008), ou mesmo Valkyrie (Bryan Singer, 2008) --- este já tratando de eventos mais da cúpula nazista --- para citar duas produções que certamente contaram com recursos mais pródigos que este Sozinhos em Berlim.
Resta contudo, rompendo inclusive com uma mise-en-scène que parece decalcada do folhetim, da linguagem televisiva; a força da interpretação de Emma Thompson. Ela humaniza o filme com sua atuação, e nos indica assim, de forma avulsa, como devia ser tal situação de isolamento: achar-se praticamente sozinha com uma causa, quando se vive exilado num país que se havia convertido, pela força de uma má ideia, em uma outra inóspita terra.
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