Um Pastelão, seus Códigos
Conversa #28
Mindhorn (Sean Foley, Reino Unido, 2016)
Fora de forma, ventre proeminente, cabelos tingidos, envergando uma peruca para disfarçar a calvície, Richard Thorncoft (Julian Barratt), galã de um série policial para a TV dos anos 1980, sequer consegue mais ser escalado para comerciais. Ele é rejeitado em uma audição por Kenneth Branagh. Depois, sua agente, em conversa com Simon Callow, pede-lhe paciência.
Mas, de repente, surge um trabalho inusitado: fazer seu antigo personagem por petição da polícia da Ilha de Wight, onde a série, chamada Mindhorn, foi originalmente gravada. Então, mais de 25 anos depois, Bruce Mindhorn, o protagonista, um detetive que tinha um olho sintético, capaz de enxergar "a verdade", está de volta ao local de tantos crimes que ajudou a desvendar. E porque um suspeito de assassinato, Paul Melly (Russell Tovey), um rapaz com severas limitações cognitivas, entende que Bruce Mindhorn é real, e só a ele deseja confessar o que sabe.
Na ilha de Wight, Thorncroft encontra seu antigo par em cena (e paixão interrompida), Patricia Deville (Esie Davis). Ela, por acaso, está casada justamente com seu dublê, Clive Parnevik (Simon Farnaby). Outro reencontro marcante é com seu opositor em cena e nêmese na vida real, Peter Eastman (Steve Koogan), que o humilha na frente de um grupo de convidados. Quando já próximo de tomar o ferryboat de volta à Inglaterra --- após uma noite de embriaguez e desordem básica, bastante britânicas --- Thorncroft recebe uma correspondência de um fã revelando que o crime fora na verdade cometido pelo prefeito. Isso o levará a aventuras muito semelhantes às vividas por ele à época em que encarnava o brioso Bruce Mindhorn.
Há muito de britânico nessa comédia pastelão, o que equivale dizer: boa parte da graça é plasmada pela fala e por referências bastante próprias, quase indecifráveis ao restante da humanidade. (Isso faz parte do pacote, quando se nasce um ilhéu e se alcunha a filosofia da Europa de Continental Philosophy). Então há muitas piadas internas presentes nas réplicas, mas ausentes na tradução, por impossibilidade de contexto. Ainda assim, o modo como a Ilha de Wight é posto como o supra-sumo do kitsch ainda é perceptível. Ou as aparições cameo de Kenneth Branagh e Simon Callow fazendo eles próprios, talvez mais mesquinhos que costumam ser com as câmeras desligadas.
De acordo com os roteiristas deste pastelão, Bruce Mindhorn foi inspirado entre outros, no The Six Million Dollars Man, série de ação da NBC, com Lee Majors, que marcou época na TV brasileira em meados dos 1970, veiculada pela Globo. O detalhe é a fixação de Bruce Mindhorn por capoeira. É sua arma secreta. Por conta disso, ele usa o termo 'jinga' para descrever sua suposta destreza de movimentos. (Bastante suposta, como vocês podem imaginar). Apesar de alguns bons momentos --- sobretudo no início --- o filme se perde em altos e baixos. Incapaz de manter o ritmo moderado do começo, atinge picos de puro trash ao final, onde, num desfile pelas ruas da ilha, surge, do nada, uma mini- escola de samba formada por locais.
Projetada apenas no Reino Unido, onde chegou a ser exibida em festivais e nos cinemas, essa produção teve seus direitos comprados pela Netflix. Isso equivale a dizer que só será veiculada por streaming no resto do mundo. Mas há sérias dúvidas se alguém vai perder muita coisa em não ver esse pastelão britânico, com pitadas de Monty Python, projetado na telona.
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