O Futuro Depois do Futuro
Conversa 32#
Stephan Zweig: Farewell to Europe (Maria Schrader, Aústria, 2016) - cin. Wolfgang Thaler
Para um filme que fica na superfície, Stephan Zweig: Adeus à Europa é um grata surpresa. Josef Hader nos brinda com uma versão gentil do autor da Schachnovelle. Verdade que em meio a rapapés, homenagens, congressos literários e planos editoriais --- para um escritor que em vida era uma verdadeira celebridade --- sobra pouco de algo mais prosaico, da ordem do cotidiano e do íntimo. Algo que de fato aproxime-se de um perfil psicológico. Algo mais denso: retrato espiritual desse autor que foi um dos primeiros best-sellers do modernismo e, nos últimos tempos, tem conhecido uma crescente redescoberta. Inclusive pelo cinema. (O Grand Hotel Budapest (Wes Anderson, 2014), teve seu roteiro livremente inspirado em Zweig).
O autor de Angst (1920) tentou, de início, não imiscuir-se com política. Não ser apenas mais um porta-voz de escritores judeus e dissidentes no exílio. Não atrair sobre si aquela aura do intelectual porta-voz da nação, que os franceses adoram, em várias encarnações: Hugo, Valéry, Gide, Malraux, Sartre, Camus, Lévi-Strauss, Barthes, Derrida, etc. E assim manteve-se discreto até onde pôde. Prosseguir nessa senda seria impossível --- como revelam as sequências iniciais e a final deste filme.
Num congresso de escritores em Buenos Aires, logo ao início, desnuda-se por parte dos presentes ao mesmo tempo a resistência ao nazismo, antes do início da guerra, assim como o apoio ao mesmo. E apoio por parte de escritores renomados, como Marinetti e Ungaretti, ligados ao fascismo e presentes ao congresso. Como judeu-austríaco, as demandas a um posicionamento político de Zweig iam ficando cada vez mais peremptórias, tal como reveladas em uma coletiva nos bastidores do congresso.
Certamente a declaração definitiva e o adeus final à Europa veio na forma do suicídio, que tomou a todos de surpresa. Mas até mesmo o modo como o suicídio do autor e da esposa é posto em quadro ao final --- pouco mais que sugerido, mostrado apenas de passagem, no espelho do armário --- constitui uma das fortalezas deste pequeno, delicado filme. Ele foi o escolhido pela Áustria, como seu representante a melhor filme em língua estrangeira --- embora não indicado pela Academia entre os finalistas.
Talvez em sua melhor cena, Zweig encontra-se em meio a um canavial no município de Cachoeira, Recôncavo Baiano, e se deixa ficar tomando notas no meio do canavial, enquanto a pequena comitiva segue adiante. Ele parece sentir-se em casa no meio da plantação de cana e da exuberância tropical. Até perceber que fora deixado para trás, e se encontra perdido. É dos poucos momentos em que se vê só, consigo mesmo. Logo a seguir, ao ser homenageado por um afobado prefeito, uma tosca interpretação do "Danúbio Azul", pela Banda Municipal, quase lhe arranca lágrimas. E há uma espécie de apreço desse escritor bastante europeu pelo clima e os modos do trópico.
Anos depois, quando fixa sua residência em Petrópolis, o faz por opção, uma vez que poderia ter escolhido Nova York e a conveniência de ministrar algum curso numa das grandes universidades de New England. Seu entusiasmo pelo Brasil, com a forma peculiar de melting-pot, que já se encontrava aqui, está longe de ser algo universalmente compartido por outros autores europeus. Camus e Lévi-Strauss, por exemplo, guardam impressões menos lisonjeiras. Elizabeth Bishop é ao mesmo tempo mais contundente e amorosa --- mas ela também passou mais tempo por cá.
Para um filme cujas cenas não vão além do protocolar, não chegando a dar a conhecer nenhuma maior intimidade de seu protagonista, que não a celebração de seu último aniversário ao lado da companheira e dos vizinhos, em Petrópolis; talvez esse distanciamento seja algo a se comemorar. Como se um charme adicional e discreto nos fizesse crer na impossibilidade de perscrutar mais a fundo a alma e as intenções do biografado. Sejam quais tenham sido. Mas, no caso, a alma de um escritor, que é justamente aquele capaz de mergulhar, por dever de ofício, na alma e sensibilidade dos outros, usando para tanto meios tão diversos do som e da imagem. E, então, seja esse um dado a se celebrar nesse filme bem recortado, que tende ao registro de viagem, mediante a bela fotografia de Wolfgang Thale. Nele, por sinal, as cenas "no Brasil" foram gravadas em São Tomé e Príncipe, África insular. (A escolha da locação para ambientar um Brasil de oito décadas atrás, aliás, não deixa de ter sua perspicácia).
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