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Renovando a Múmia


Conversa #33

Alien: Covenant (Ridley Scott, Reino Unido/ Estados Unidos, 2017)

O mais recente integrante da franquia Alien não traz muito de novo, embora digam o contrário. Em termos de direção de arte, isso é mais verdade que nunca. E na direção de arte mora o trunfo desses filmes --- assim como de outros de Ridley Scott. Os efeitos especiais do primeiro Alien, produzidos em 1979, são apenas refratados por paletas e plugins digitais para se alcançar determinados aspectos. Tudo indica que só em uns poucos anos esses aspectos irão parecer mais datados e bregas que os de 1979. Geralmente esses "novos aspectos" tem a ver com o prolongamento em perspectiva quase infinita dos aspectos horripilantes, extraídos de pesadelo, que conformam o trunfo de produções passadas. Especialmente da primeira de todas, o filme de 1979.

O problema, aqui, é que em 1979, John Hurt, coadjuvante importante na epopeia inicial (o primeiro a ceder seu corpo para hospedar a besta) era um jovem senhor. E Harry Dean Stanton estava ainda a cinco anos de estrelar Paris, Texas. E pensar que quando morreu, ano passado, Hurt tinha o rosto mais engelhado que focinho de pug. Mas nada semelhante aconteceu com o aspecto de Alien. Mudou pouco nesses 38 anos. O monstro em si não mudou nada. Não sofreu nenhuma mutação genética em nome da caixa registradora. Tampouco o roteiro conduz a grandes vôos. Falemos do aspecto do monstro e depois do roteiro.

O monstro inicial era de alguma forma suplementado pelo jovem nigeriano que envergava a fantasia do Alien adulto. Seu nome era Bolaji Badejo. Determinadas peculiaridades físicas levaram Badejo a ser o escolhido: media quase dois metros e dez; e tinha pés, pernas e braços inusualmente longos, desproporcionais em relação ao tronco. Badejo, nascido em 1953, talvez até fosse uma personalidade na Nigéria. Mas era um Zé-Ninguém no resto do planeta. Tanto assim que sua morte, em 1992, passou em brancas nuvens. Mas não deixa de ser um indicativo poderoso de etnia e cultura, que se tenha escolhido um negro da África Ocidental --- lugar de alteridade máxima em relação à norma europeia --- para ser o "alien", o corpo estranho, a monstruosa outridade que invade o espaço asséptico da nave, regida por postulados Ocidentais. E esse "alien", essa presença indesejada, emperra tudo, causando uma tragédia. Nesses tempos em que a figura do migrante encontra-se no próprio centro da discussão ideológica, há panos para as mangas e algum debate, aqui.

Ao comparar o aspecto geral do filme em 1979 e atualmente, percebe-se que a tudo corresponde uma matriz do fim dos anos 1970. Que nada de muito revolucionário revolveu o visual de Alien. Mesmo que nesse meio termo se tenha dado uma revolução digital, e os modos de gravar e manipular a imagem e o som tenham conhecido saltos e descontinuidades totalmente imprevisíveis no momento em que se fez o primeiro filme. Há muita vontade de experimento nessa realização. Especialmente nas áreas da direção de arte, dos figurinos, da iluminação, da fotografia.

Derek Vanlint, o diretor de fotografia, deixa isso claro ao discorrer sobre a construção do filme em seu aspecto visual numa recente entrevista à American Cinematographer. Especialmente, porque sua experiência com longas de ficção era muito restrita à época --- ele era um DF ligado aos VT's publicitários. E, naturalmente, o orçamento de um filme assim, naquela época, era irrisório se comparado aos assegurados para as sequências da franquia. Basta lembrar que o próprio Ridley Scott operava a câmera principal nesse primeiro filme da série. Ou que eles simplesmente não tiveram tempo de adaptar-se ao uso de um steadicam --- equipamento relativamente novo, e na época ainda mais conhecido como 'paraglide'. Scott tinha entre suas habilidades saber mover-se rápido e bem de costas, com a câmera na mão. Isso lhe custou uma meia-dúzia de tombos em que deu com os fundilhos no chão dos estreitos cenários que faziam as vezes dos corredores da nave.

Mas deixando de lado, essas digressões comparativas, vamos ao roteiro de 2017. Uma nave com a missão de conduzir milhares de colonos --- em sono induzido --- a uma nova galáxia, é desviada de sua rota pela curiosidade acerca de estranhos sinais de rádio emitidos de um planeta ao largo. Uma expedição é mandada a esse planeta de um aspecto sombrio e devastado. Quando retorna, já vem naturalmente com alguns tripulantes a menos, e portando o embrião de todos os males. Visto em largos traços, até o roteiro não difere tanto assim do de 1979. Então é necessário ao menos renovar o plantel, já que a terceira idade não é tão atrativa e pode sinalizar que, como no governo Temer, não haverá qualquer forma de previdência decente no futuro espacial; e, logo, o cast de um filme assim não vai poder nunca se aposentar. E, aqui sim, nessa renovação do elenco, dois novos rostos contribuem com algo para que a série continue a mesma sem ofender demais a inteligência dos fãs mais sensíveis. Afinal, estamos lidando com as sensibilidades de um clube. Algo semelhante ao de Guerra nas Estrelas, embora ligeiramente mais adulto, menos numeroso e menos fanático.

E assim, Katherine Waterston renova a persona de Sigourney Weaver. Uma repaginada digna de figurar na realidade pós-feminista dos dias correntes. E desse modo Ellen Ripley vira Danny Daniels, a heroína por excelência deste lado de cá do Século 21 da franquia. É a mesma postura andrógina. Mas postura ainda não é a palavra exata. A palavra desejável aqui é: atitude. Waterston empresta esse tom andrógino até com menos ousadia, com mais sutileza que Weaver, porque os tempos são de cautela e caldo de galinha. Os tempos são de Trump, são mais conservadores.

O outro rosto de acréscimo é naturalmente o de Michael Fassbender, que estreia em dose dupla, fazendo Walter e David, duplos respectivamente bom e mau do mesmo autômato criado à semelhança do David de Michelângelo. Desnecessário dizer que o mau prevalece. E, aliás, é ele, David, o autômato do mal, quem porta o gancho para o próximo capítulo, junto com alguns embriões da criatura, que ele havia escondido no esôfago. O desespero de Daniels ao perceber o logro, mas ao mesmo tempo já estar a caminho da hibernação induzida, é um dos bons espasmos da história.

Preparai-vos: ainda haverá mais criaturas soltando baba cáustica pela boca e movendo-se como um calango revestido numa armadura de tatu metalizada por pelo menos mais uns três filmes. O que deve ser o suficiente para as próximas duas décadas. O último dos quais com um novo galã talentoso e atlético, a substituir Fassbender, e uma nova garota audaz e destemida a render a guarda da indomável Waterston. Quem sabe um ator ou atriz trans. E, aqui, ela pode ser latina ou asiática.

Tudo como manda o figurino. O exigente figurino do provável sucessor de Scott.

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