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Sete Samurais uma Vez Mais

Conversa #40

The Magnificent Seven (Antoine Fuqua, Estados Unidos, 2016)

Além de uma maior centralização dos dramas e do heroísmo na figura de Sam Chisolm (Denzel Washington), a versão de 2016 dos Magnificent Seven também os faz menos boçais. Os pistoleiros não são apenas broncos foras da lei que sabem manejar armas, cartear, contar vantagens, amigar-se com prostitutas. De repente, se veem como heróis ao defenderem uma comunidade e uma causa justa. Eles planejam, medem calculam ao contrário dos pistoleiros de 1960. São pistoleiros mais, digamos, weberianos. Na defesa do vilarejo, estudam onde é melhor cavar trincheiras ou depositar bananas de dinamite para, com os explosivos, fazer frente a um inimigo mais numeroso e adestrado.

Quanto à defesa da cidade, não é que não houvesse esses preparativos na versão de 1960. Mas, de um modo geral, a estratégia de defesa parece mais racional, articulada e cheia de recursos na versão do ano passado. Há também uma mulher que está à frente do recrutamento dos pistoleiros, da liderança da comunidade e predisposta a lutar. É um Magnificent Seven adaptado à segunda década deste século. E, no entanto, mesmo nesses aspectos vinculados a certa refração dos Estudos Culturais, ainda inferior quanto à mescla com a outridade do que foi o filme de 1960.

É que naquele, os gringos atravessam a fronteira para defender um povoado mexicano, morar lá por uns tempos, conviver com costumes, culinária e mundividências radicalmente diversos dos seus. Um dos três sobreviventes, não só não regressa, casa-se com uma mexicana. Sem dúvida, guardadas as proporções, o filme de 1960 é bem mais ousado, porque naquela época em muitos estados dos Estados Unidos não era possível sequer que não-brancos frequentassem certos espaços públicos. Ou brancos e negros compartilhassem as mesmas salas de aula nas universidades. Ou houvesse casamentos interraciais. Daí que agora se tenha escolhido justamente um pistoleiro afro-americano (o próximo será latino), ainda que ele seja o único negro a aparecer em quadro. A inclusão de um oriental versado em facas e artes marciais é nítida concessão aos mercados asiáticos. Ainda em relação às questões étnicas, bom é ver que ambos os grupos em conflito possuem índios. Isso quebra um pouco com contumazes maniqueísmos.

No entanto, há alguns trunfos no de 2016. A fotografia de Mauro Fiore é esplêndida, e guarda seu débito para com Tonino delli Colli. Haley Bennett, Ethan Hawk e Chris Pratt estão muito bem. Há anedotas encorpadas. Uma coreografia da violência decalcada dos filmes de super herói mas também de Peckinpah. Uma direção de arte impecável e um tanto tirada sobre papel manteiga dos maneirismos de Leone. E, no roteiro, no plano das ideias, essa colaboração mais orgânica com a comunidade.

Dessa colaboração resulta não só a boa estratégia de defesa. Também a atmosfera de festa antes do combate final compõe um anti-clímax paradoxal e histérico: um dos melhores momentos do filme. E faz lembrar da organicidade com que esses ritos coletivos (e musicais) são registrados por Jacques Tourneur em clássicos como Canyon Passage (1946) e Stars in My Crown (1950). Mas também o faz mais próximo de outro de seus grandes influxos: o Peckinpah de Meu Ódio Será Sua Herança (The Wild Bunch, 1969).

Porém o estado de ruínas em que o verdadeiro exército de Bartholomew Bogue (Peter Sarsgaard) deixa a pequena Rose Creek está mais para como ficavam vilarejos italianos e vietnamitas após respectivamente os raids de tropas alemãs e americanas do que qualquer outra coisa. O rastro de destruição transcende até as limitadas armas de que se dispunha então. (E pensar que no filme uma metralhadora giratória era última palavra em termos de extermínio em massa).

Teria sido necessário, então, distribuir mais protagonismo. E o próprio vínculo entre os sete defensores de Rose Creek parece tênue, sem se perceber melhor a força das personalidades de não mais de três deles. Ou maiores afinidades e diferenças. O fato de Sam Chisolm (Denzel Washington) encontrar-se empenhado na causa menos pela defesa da comunidade e mais por uma vingança pessoal, retira um tanto do altruísmo presente no bando da versão de 1960 ou da ética original dos samurais de Kurosawa.

A despeito disso, The Magnificent Seven, em sua edição de 2016 é bom entretenimento. Especialmente nas cenas de combate e de preparação para combate. Como documento histórico --- especialmente quando comparado ao de 1960 --- vale apenas por atestar o modo de produção de um western épico em 2016. Como filme de época em si, não se sustenta.

Dificilmente um negro, em 1879, apenas alguns anos após a Guerra de Secessão, poderia comandar um pequeno exército de brancos. Ou ser responsável máximo pela defesa de um vilarejo de imigrantes brancos. Isso era simplesmente impossível. (Sequer, aliás, teria interesse em defender uma comunidade branca, motivação para tanto). Ou mesmo seria tolerado em ambientes (saloons, barbearias, hotéis, escolas, estrebarias, armazéns, escritórios) frequentados apenas por brancos.

Não que não houvesse pistoleiros e caçadores de recompensa negros. Alguns célebres. Estima-se que ⅓ do total dos fora-da-lei à época da conquista do Oeste eram negros. E, no entanto, eles deviam formar, entre si, farândolas de salteadores, que infestavam as estradas e atacavam os povoados mais desguarnecidos, ao modo do bando de Lampião. Estavam longe de ser guerreiros humanistas, que se propõem a defender a custo de nada uma comunidade ameaçada e chantageada por facínoras. E ainda por cima uma comunidade branca.

Há menos Akira Kurosawa e mais Sergio Leone, Sam Peckinpah e Quentin Tarantino nesta edição de Os Sete Samurais. E talvez tivesse sido interessante vê-la dialogar mais com versão de John Sturges, para além da presença dos clássicos temas orquestrais de Elmer Bernstein.

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