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Pintando unhas


Conversa #62 - Reclassificando Clássicos [21]

Scarlett Street (Fritz Lang, Estados Unidos,1945) cin. Milton R. Krasner

Há o momento em que Kitty (Joan Bennett) está recostada no divã, enquanto Chris Cross (Edward G. Robinson), um homem já na meia idade, casado, pinta-lhe as unhas do pé. Que Cross tenha sido destacado com um relógio de bolso folheado a ouro, por bons serviços prestados como caixa da firma, está na cena de abertura. Mas o próprio Cross, numa paixão tardia e patética pela jovem e espevitada Kitty, põe tudo a perder. Depois de dar dois desfalques, para suprir sua adorada Kitty de suas necessidades "básicas", Cross é pego com a boca na botija. O detalhe mais cômico é o de Cross ser também um pintor amador, incapaz de lidar com a perspectiva, mas cujas obras caem nas graças de um reputado crítico de arte. Cross é também casado com uma megera (Rosalind Ivan), enquanto Kitty vive com o cafetão Johnny Prince (Dan Duryea).

Tudo somado, Scarlett Street é muito mais uma comédia de costumes que qualquer outra coisa. Mas uma comédia posta no estilo noir e com contornos, de fato, negros. Essa comedia bem poderia, com alguns sobretons e pequenas adaptações, ser transposta para tela pelos irmãos Coen. Parece com eles, em antecipação. E na verdade, ela é já um remake. De La Chienne (Jean Renoir, 1931), baseado num romance obscuro.

Isso nos alerta para a versatilidade do noir enquanto estilo, não gênero. Ele comporta desde filmes de aventura (como To Have and Have Not), filmes de terror (como Gaslight, My Name is Julia Ross, The Spiral Staircase ou o ciclo produzido por Val Lewton para a RKO), comédias como esta ou The Reckless Moment, westerns (High Noon, Blood on the Moon) e naturalmente thrillers de diversos tipos.

Que os quadros amadores de Cross sejam consagrados pela crítica é mais uma pilhéria de Lang num filme em que, como toda boa comédia de costumes desde Sá de Miranda e antes, toca em assuntos seríssimos. Como, por exemplo, adultério. Um homem reprimido. A total falta de valores de uma jovem mulher. Motivos vetados pelos códigos hollywoodianos de então. A não ser que tratados alusivamente ou de raspão. Aqui, o adultério encontra-se no centro da trama. E contrariando a cartilha moralista e hollywoodiana, quem paga pelo assassino é um terceiro. E um sujeito maduro derrete-se baboso e sentimental diante da mulher jovem, a suar hormônios por todos os poros.

Scarlett Street é o continuação de outro filme. Reune seus três protagonistas: Edward G. Robinson, Joan Bennett e Dan Duryea. Exatamente figurando os mesmos tipos: o senhor respeitável, a jovem volúvel, o cafeão. Só que numa trama mais derivativa. E, quem sabe, também mais farsesca. Seu predecessor ilustre, seu primo rico é 'The Woman in the Window (1944).

Que juventude e beleza escondam, sob a fachada, a vulgaridade interesseira, é algo que a vista do deslumbrado Mr. Cross não alcança. Bravos para as atuações de Joan Bennett, Dan Duryea e do indefectível Edward G. Robinson. Joan Bennett, vinda do cinema mudo, está na fase em que só se mete a trabalhar com grandes diretores, como no caso de Max Ophüls (The Reckless Moment, 1948), Jean Renoir (The Woman in the Beach, 1947), Vincent Minelli (Father of the Bride, 1950 e sua sequência Father's Little Divided, 1951) e Douglas Sirk (There is Always Tomorrow, 1956). Scarlett Street, no entanto, nos revela um Fritz Lang estranhamente distante da visualidade de Metropolis (1927). É daqueles filmes em que ainda se pode enxergar, por trás da película, a cortina do teatro. Um noir gracioso. Bastante decalcado de uma peça. E também bastante B.

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