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Pisando em falso

Conversa#99 -Ano 3- Reclassificando Clássicos[34]

On Dangerous Ground (Nicholas Ray, Estados Unidos, 1951) - Cin. George E. Diskant

On Dangerous Ground é um misto de thriller e melodrama. Mas melodrama à Ray. Dizer isso é afirmar que 'melodrama' nesse contexto é praticamente um gênero per se. Mas aqui se tem também dois filmes distintos. Ou ao menos dois capítulos muito diversos no mesmo filme. No primeiro, mais convencionalmente noir e thriller, Jim Wilson (Robert Ryan), investigador policial, enfrenta problemas no trabalho que incidem em certo comportamento violento. Sequer o sentido de cooperação ou as sugestões de dois colegas, que integram sua equipe, parecem fazer sentido para ele. Um desses colegas entende que o fato de ele ser solteiro joga contra. O outro alerta para a necessidade de separar trabalho e lazer: deixar as coisas da polícia do lado de fora de casa. O fato é que, em mais de uma ocasião, Jim se compraz no uso excessivo da força contra suspeitos e criminosos, e isso é testemunhado por colegas. Há um grau de neurose envolvido na questão. E, aqui, seu sadismo é traduzido com requintes por Ryan.

Na segunda ocasião em que é advertido por seu superior, Jim acaba transferido. O lugar para onde é mandado chama-se significativamente Siberia. No filme, Siberia seria um distrito semi-rural da região de Los Angeles. Situada no alto de uma das serras que cercam a cidade, essa Siberia fictícia e californiana - que não deve ser confundida com a cidade fantasma de mesmo nome, no Mojave - é também sujeita às baixas temperaturas. Devido à altitude, há neves eternas. Aqui, começa um novo filme. E é esse segundo filme que pode eventualmente ser herdeiro mais dileto do western. E esse segundo também tende mais ao melodrama. Nele, Wilson de alguma forma redime-se de seu comportamento inicial graças ao conhecimento de uma mulher: Mary Malden (Ida Lupino). Vivendo em uma casa de campo, Mary, que ficou cega, leva sua vida com certa independência e ainda acha disposição para cuidar do único irmão, Danny (Sumner Williams), um adolescente com um sério distúrbio mental congênito. O adolescente com distúrbios, aliás, entra para o cômputo dos adolescentes desajustados que contam com a ampla simpatia de Ray, e são cercados por adultos tão maus quanto lobos famintos.

Ocorre que Danny foi autor de um homicídio, e veio refugiar-se em casa, com a irmã. Wilson e Brent (Ward Bond), um truculento morador local, vêm no encalço de Danny. E é assim que Mary e Jim se conhecem, este investigando o crime do irmão da primeira. Mary, extremamente devotada ao irmão, preocupada com o que pode acontecer, demanda de Jim uma cautela extra ao conduzir o caso. Ele atende ao pedido da moça. Mas uma desastrada intervenção de Brent põe tudo a perder. O final é túrgido e há demasiada sacarose. Uma intenção edificante que desvela o mal moralista que há por trás de Ray, em recorrência - e a despeito de outras facetas menos normativas.

Mas, entre outras virtudes, On Dangerous Ground, conta com uma cinematografia irrequieta. Ela não é menos desigual. Em alguns momentos tende para a norma antiga: difusão; soluções de estúdio, na iluminação; planos gravados para uma edição excessivamente calcada na fusão. Contudo, sabe também ousar em determinados passos, como nas externas gravadas na serra. Ou na noite de Los Angeles, em locações. (Essas tomadas noturnas, aliás, parecem antecipar em seis anos o labor de James Wong Howe no Sweet Smell of Success). O fotógrafo é George E. Diskant, que traz em seu currículo vários noirs clássicos: Desperate (Anthony Mann, 1947), Beware My Lovely (Harry Horner, 1952), Kansas City Confidential (Phil Karlson, 1952) e, também em colaboração com Ray, They Live by Night (1949) -- um filme que traz ao início algumas das primeiras tomadas aéreas de Hollywood, utilizando um helicóptero que rastreia a movimentação de um automóvel.

On Dangerous Ground talvez demora-se além da conta após seu clímax: os últimos cinco minutos é uma empulhação lacrimosa e sentimental. Mesmo assim, sua modernidade na fotografia está mais nessa segunda parte, à exceção do apêndice. Advém da versatilidade das cenas ao ar livre. Por então, o equilíbrio entre estúdio e locação era ainda precário. Especialmente pela debilidade das cenas em locação diante do grau de controle e maestria das cenas em estúdio -- sobretudo proporcionado pela imensa capacidade de gradações estáveis na iluminação. O excesso de difusão com propósitos diegéticos -- suavizar os traços e criar uma atmosfera angelical em torno de Danny, mas sobretudo de Mary -- também atesta certa hesitação entre algo inovador e uma postura mais clássica. Mas, de outro modo, compõe com a atmosfera de pesado melodrama interposto por Ray ao final.

Trocando em miúdos: a expertise de estúdio tinha derivado para maneirismos e certa diluição de propósitos. As externas eram algo mais arriscado. Sujeitas a altos e baixos. Mas indicando um futuro. Como todo risco.

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