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Controvérsias e assédios


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Conversa#108 -Ano 3- Relances do Já e do Agora[24]

Bombshell (Jay Roach, Estados Unidos, 2019) - cin. Barry Ackroyd

De repente, o elevador privado de um alto executivo da televisão americana está repleto de beldades. Elas são âncoras de grande prestígio e sucesso no jornalismo televisivo. Ganham salários polpudos. Exercem enorme influência sobre a opinião pública. São invariavelmente loiras. Platinum blonde. Podiam ser protagonista de um clássico do suspense, dirigido por Hitchcock. Ou assomar em fantasias do inconsciente coletivo. Como ícones geracionais. Que mexem com a libido de adolescentes. Adolescentes que lembram delas na hora de banhar-se. Ou de dormir. Elas comandam equipes que movem-se em torno. Em função delas. Como mariposas em torno da lâmpada. Elas têm, entre outras prerrogativas, acesso a entrevistas exclusivas com candidatos à presidência dos Estados Unidos. Seu poder é tal que podem roubar pontos na corrida à presidência. Fazem parte do poderoso estafe da Fox. Quem as arregimentou foi um homem que praticamente criou o formato de jornalismo nessa rede de televisão, e ditou o padrão para a demais: Roger Ailes (John Lithgow).

A Fox é famosa por sua orientação conservadora. Há décadas, se tem postado sucessivamente ao lado dos Republicanos, eleição após eleição. Ocorre que Aisles, o manda-chuva, não vem apreciando certas liberdades tomadas por uma dessas âncoras, a veterana Gretchen Carlson (Nicole Kidman). Ela começa por dizer no ar algumas considerações sobre a aparência, sobre o fardo diário que é o uso da maquiagem pesada, o que aparentemente fere tanto o manual da Fox como o libreto de posturas do mandachuva. Pior, ela posta-se ostensivamente a favor da proibição ao porte de armas pesadas, o que segue em rota de choque com a plataforma política de Trump, apoiado pela emissora. O chefão a demite. Mas sem se dar conta: suspeitando dessa demissão, Carlson já articulava, com devida orientação jurídica, uma acusação de assédio contra Aisles.

A acusação, embora fundamentada, podia ser tiro no escuro. Até por visar um executivo de imenso poder pessoal e estender-se por igual a nomes de sua equipe, como Bill O'Reilly. Para ser bem sucedida, a acusação teria de ser bancada também por outras funcionárias da Fox que haviam sido igualmente assediadas - em geral, no começo mesmo de suas carreiras. Embora, de início, a acusação não desperte o apoio ou a solidariedade das outras vítimas. Aos poucos consolida-se e conta com uma aderência importante, a de Megyn Kelly (Charlize Theron), a mais influente dessas apresentadoras, .

Mas Aisles é um CEO tão poderoso que só aos poucos, ao perceber que o processo pode consolidar-se, implicar de fato em sua queda, é que algumas das mais prestigiosas âncoras, como Kelly, também aderem. E partem para a acusação. Nesse meio termo, Carlson acaba acordando um trato com a Fox. Um trato um tanto ambíguo: a Fox lhe paga uma indenização de 20 milhões de dólares, mas inclui nas tratativas uma cláusula que a proíbe de falar em público sobre o caso.

O filme toca num tema nevrálgico dos dias correntes. E também bastante controverso. Não em si, mas no modo como vem sendo tratado. E o faz com dois trunfos: um elenco estelar e uma fotografia de sonho, a cargo de Barry Ackroyd. O casting inclui, as já citadas Charlise Theron, Nicole Kidman; uma deslumbrante Margot Robie, ercanando uma potencial âncora em ascensão; além de quatro dezenas de atores e atrizes de certo peso em Hollywood. Um 'ensemble cast', como se diz.

Já Ackroyd, fotografou toda uma sequência de filmes para Ken Loach nos anos 90. Também um êxito de bilheteria a partir de um tema não tão óbvio assim, The Big Short (2015). Mas é possível que esse Bombshell seja seu mais primoroso trabalho. A plêiade de atores - e sobretudo de atrizes - conta não pouco para felicidade desses quadros. Em especial os povoados por Margot Robie e Charlize Theron.

Vários aspectos controversos são só parcialmente tocados por esse filme. E, nessa senda, ele é insatisfatório. Ou até mesmo superficial diante de certa prolixidade. Além de não dar com um tom mais perceptível quanto a posicionar-se diante não só da ignomínia dos executivos assediadores, mas também de certo oportunismo na conta de algumas assediadas.

No fim, há tanto poder e dinheiro concentrado, que fica difícil divisar cordeiros em meio a tantos lobos. O ambiente por si já contém certos gramas de sordidez. E talvez a atitude mais coerente é a tomada por Kayla Pospisil (Margot Robie), a futura última bolacha do pacote: simplesmente abandonar o pacote. Ou o navio.

Esse filme comercial é de uma acabamento técnico irrepreensível. E só mesmo suas evidentes limitações de roteiro, no trato de um tema tão delicado, o descartam para indicação em muitas mais categorias na noite de 9 de fevereiro próximo. Isso inclui a de melhor cinematografia.

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