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Algum lugar além do arco-íris

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Conversa#109 -Ano 3- Relances do Já e do Agora[25]

Judy (Rupert Goolf, Reino Unido, Estados Unidos, 2019} - cin, Ole Bratt Birkeland

Como pode ser definido Judy? Talvez por meio de um oxímoro: superprodução de baixo-orçamento. O filme segue predominantemente no estúdio. E há soluções pouco mais que televisivas. Nada únicas, como a de moldar em estúdio uma ruela londrina, com o passeio úmido, precedida pela clássica cabine telefônica vermelha. É claro que, como aqui, as cabines telefônicas caminham para a extinção também em Londres. Mas antes há 1968, a Swinging London, e uma Judy Garland já um tanto velhusca, fazendo uma temporada de shows no Talk of the Town, espécie de Canecão local.

Dizer que Judy é uma cinebiografia acima da média ainda não é grande cumprimento. Não há subgênero mais xarope. E as do Queen e de Elton John estão aí a comprová-lo. Mas algumas escolhas um tanto prosaicas tornam esse filme, acerca da menina-prodígio do cinema clássico, uma cinebiografia mais suportável que a moeda corrente. A ideia de condensar a biografia num momento final - a série de shows em Londres que precede a morte da atriz e cantora - surte bom efeito na tela. E, então, bastou alternar isso com alguns flashbacks dos clássicos tempos do início da carreira, geralmente passados em bastidores de gravação e na companhia de Mickey Rooney ou Louis B. Meyer.

É necessário destacar o quanto as pessoas ainda envelheciam precocemente na década de 1960. E aos 46 anos, já há algo bem pouco jovial na jovialíssima Judy Garland. Mais uns dez anos, e ela seria uma rematada anciã. Não houve tempo para tanto, e ainda não havia academias de fisicultura em cada esquina.

O resto do filme segue escorado nas permanentes caras e bocas, sem descanso, propostos por Renée Zellweger. Um compêndio de esgares. Presume-se que quando ela parar de fazer assim, vai sofrer com cãibras na face. De outro modo, essa performance, contestável como seja, não consegue afundar o barco de vez. E até cá e lá possui algo de louvável. Embora possa acertar o alvo com estrondo, se faturar a estatueta de melhor atriz às expensas de Saoirse Ronan. Ou Charlize Theron. Ou mesmo Scarlett Johansson. E as chances não são nada desprezíveis, uma vez que a performance de Zellweger enquadra-se num molde de atuação muito ao agrado dos americanos: o que privilegia uma espécie de mutação do intérprete. Sua transformação espiritual, mas sobretudo física. O ator-camaleão, tranformando-se em alguém. De preferência, alguém o mais diferente possível de si. A ameaça de Zellweger ganhar é enorme. Tão grande quanto a possibilidade de um show de Judy Garland ser ao mesmo tempo sucesso e fracasso.

A maior virtude desse filme de fã parece ser algo que entra em choque imediato com nosso tempo: ele é muito pouco sentencioso. E é também demasiado sentimental. Julgar não parece sua preocupação mais imediata. Não é a mais gostável e coerente das cinebiografias. E, ainda assim, consegue, sem tantos elementos e recursos, dar conta de um perfil. Por algum subterfúgio minimalista.

Sim, junto com Richard Jewell (Clint Eastwood, 2019), Dolor y Gloria (Pedro Almodóvar, 2019) e. em menor grau, A Beautiful Day in the Neighborhood (Marielle Heller, 2019), esse Judy segue um ou dois degraus acima da média das cine-biografias da temporada. Ou, de resto, é menos previsível que o filme diante do qual pode ser posto em analogia direta: Rocketman (Dexter Fletcher, 2019).

Ah, e o filme também vale pelas belas canções. Muito bem escolhidas. E, dentre elas, especialmente por "The Trolley Song", que tem uma versão em português, escrita por Haroldo Barbosa, gravada por ninguém menos que João Gilberto. Canções assim são atestados de urbanidade e pura gentileza.

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